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RESENHA: As Intermitências da Morte
Um contexto extraordinário introduzido à racionalidades mundanas
O que faz a literatura fantástica ser tão diferente da não-ficção? José Saramago responde essa pergunta com maestria em seu romance As Intermitências da Morte, criando um contexto extraordinário para depois introduzir racionalidades mundanas. O autor cria sua própria literatura introduzindo o leitor à um novo estilo de escrita que, como uma droga, vicia e vislumbra.
Todos que já leram Saramago contam suas experiências marcantes causadas pelo autor. O escritor não se limita a história, embasando sua narrativa em algo primitivo, juntamente aos fundamentos da literatura. O texto condiz ao ritmo dos pensamentos em nossa mente que, inerentes e desenfreados, preenchem nossa cabeças assim como Saramago preenche as páginas.
Em longos parágrafos e diálogos embutidos, As Intermitências da Morte inicia-se do pretexto de “e se a morte parasse de matar?” A partir deste ponto de partida fantástico, o autor começa a racionalizar cada detalhe das consequências desta circunstância, introduzindo desde a complexa burocracia até as mais simples banalidades da vida.
O texto de Saramago é uma experiência. A leitura pode variar entre pacata ou extremamente acelerada, mais isso não importa, pois a sensação de espanto durante a história é a mesma. Com uma narrativa diferente o autor é capaz de quebrar todas as regras da literatura para provar que cada um é mestre de sua própria arte. E é isto que ele é: um grande mestre.
Este ensaio sobre a morte é nada menos que fascinante, levantando questões importantes com um toque de sarcasmo e ironia. Este senso de humor sagaz é carregado por Saramago no livro todo que acaba se tornando uma grande sátira sobre um dos eventos mais temidos pelos seres humanos. Isso tudo não impede o livro de celebrar a beleza humana que, além das peculiaridades, se torna encantadora até mesmo para a morte.
Título: As Intermitências da Morte
Autora: José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Gênero: Drama, ficção
Número de páginas: 203
Onde comprar: Amazon
Sinopse: Depois de séculos sendo odiada pela humanidade, a morte resolve pendurar o chapéu e abandonar o ofício. O acontecimento incomum, que a princípio parece uma benção, logo expõe as intrincadas relações entre Igreja, Estado e a vida cotidiana.
“Não há nada no mundo mais nu que um esqueleto”, escreve José Saramago diante da representação tradicional da morte. Só mesmo um grande romancista para desnudar ainda mais a terrível figura.
Apesar da fatalidade, a morte também tem seus caprichos. E foi nela que o primeiro escritor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel da Literatura buscou o material para seu novo romance, As intermitências da morte. Cansada de ser detestada pela humanidade, a ossuda resolve suspender suas atividades. De repente, num certo país fabuloso, as pessoas simplesmente param de morrer. E o que no início provoca um verdadeiro clamor patriótico logo se revela um grave problema.
Idosos e doentes agonizam em seus leitos sem poder “passar desta para melhor”. Os empresários do serviço funerário se vêem “brutalmente desprovidos da sua matéria-prima”.
Hospitais e asilos geriátricos enfrentam uma superlotação crônica, que não para de aumentar. O negócio das companhias de seguros entra em crise. O primeiro-ministro não sabe o que fazer, enquanto o cardeal se desconsola, porque “sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja”.
Um por um, ficam expostos os vínculos que ligam o Estado, as religiões e o cotidiano à mortalidade comum de todos os cidadãos. Mas, na sua intermitência, a morte pode a qualquer momento retomar os afazeres de sempre. Então, o que vai ser da nação já habituada ao caos da vida eterna?
Ao fim e ao cabo, a própria morte é o personagem principal desta “ainda que certa, inverídica história sobre as intermitências da morte”. É o que basta para Saramago, misturando o bom humor e a amargura, tratar da vida e da condição humana.